Ficha de Autor

Palácio Nacional da Ajuda

  • Actividade: Instituição Museológica
  • Data de nascimento/óbito: 1796
  • Local de nascimento/óbito: Ajuda, Lisboa
  • Biografia: Após o incêndio que, em 1794, devastou o Paço de Madeira ou Real Barraca, urgia construir um novo palácio. Para tanto, o Príncipe Regente D. João chamou Manuel Caetano de Sousa, arquitecto das Obras Públicas. O projecto que este apresentou previa uma edificação cujo centro cairia sensivelmente sobre a Calçada da Ajuda e mediria cerca de 254 m de comprido, por 131 de largo. A fachada Sul deveria desenvolver-se em três planos: no inferior correria um “rústico” entrecortado por pilastras e nichos, que serviria também de suporte ao morro onde assentaria o edifício; ao centro, seria interrompido por duas rampas semicirculares, que conduziriam à entrada, esta já no plano imediatamente superior. Aqui nasceria um corpo saliente com cinco arcos, solução alterada no terceiro plano para cinco portas com varandins. Para ambos os lados, a fachada seria quebrada, ao meio, por um corpo saliente. A cimalha teria uma balaustrada, encimada por fogaréus, excepto nos corpos salientes, onde se elevariam empenas. A fachada terminaria, nos extremos, com dois torreões (o que valeria igualmente para a fachada Norte). Já a fachada Nascente teria um corpo central saliente e dois laterais, flanqueados pelos torreões. Em altura, desenvolver-se-ia em dois planos marcados por pilastras, as de baixo da ordem dórica; da compósita as de cima. A cimalha teria também uma balaustrada, interrompida no corpo central por um frontão triangular armoreado. Os torreões, com cerca de 44 metros de altura, seriam rematados por cúpulas e apresentariam na face conjuntos de pilastras sobrepostas. O acesso ao palácio far-se-ia pelo corpo central, através de cinco intercolúnios. Por aí se comunicava com um vestíbulo de três vãos que dava para o primeiro de três grandes pátios. Além destes, estavam previstos vinte e nove saguões e várias escadarias. Aprovado o projecto, foi assente a primeira pedra em Maio de 1796. A edificação ter-se-á iniciado pelo “rústico”. Quanto ao edifício propriamente dito, construiu-se a partir do torreão Sudeste, simultaneamente para Poente e para Norte, até à 8ª janela de cada lado, porém só o Piso Térreo e as salas chegadas às respectivas fachadas. Nesta campanha barroca despenderam-se 5 anos e 1 milhão de cruzados (de um total previsto de 15 milhões). Em 1801, interromperam-se os trabalhos. Na origem do facto esteve, por certo, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Presidente do Real Erário. Fora, até então, embaixador em Turim e não lhe agradou o projecto de Manuel Caetano, por antiquado. Em Novembro desse ano, Sousa Coutinho convocou Manuel Caetano, Joaquim de Oliveira, José da Costa e Silva e Francisco Xavier Fabri para que se pronunciassem acerca dos planos que vigoravam e apresentassem as suas críticas. Costa e Silva e Fabri – formados na Academia Clementina, em Bolonha –, no início de Janeiro de 1802, já as tinham concluído. Fabri, ao argumentar que a arquitectura era confusa e pouco majestosa e que nas plantas não constava a denominação dos espaços, disse que o projecto não era exequível e, por isso, apresentou um novo projecto. Por seu lado, Costa e Silva, só o apresentou, após teorizar sobre as “as boas regras da Arquitectura” e criticar a proporção dos intercolúnios, a ornamentação das frontarias, a profusão de “pilastrinhas e contra-pilastrinhas” dos torreões, a sequência das ordens arquitectónicas das colunas, a exagerada altura dos torreões, tendo em conta a espessura das paredes (...), a ausência da explicitação das funções espaciais, a impossibilidade de os saguões permitirem o arejamento e a iluminação de muitas partes do edifício, a deficiente colocação das escadas...Louvou apenas a solução dos corpos intermédios nas fachadas, por quebrarem a monotonia dos mesmos e darem uma espécie de movimento ao edifício. Depois de apreciadas as críticas, o Príncipe Regente, por decreto de 21 de Janeiro de 1802, mandou que se retomassem as obras, mas agora segundo o novo projecto de Costa e Silva, muito provavelmente retocado por Fabri, tendo sido nomeados directores artísticos para a decoração Domingos Sequeira, Vieira Portuense e Machado de Castro. Era um projecto de feição neoclássica que, todavia, ficou um tanto condicionado pelo anterior, designadamente no que respeita à localização e a certos aspectos decorativos. A questão é que, embora Fabri tivesse proposto a expansão do palácio para Norte, acabou por prevalecer a opinião de Costa e Silva, que contrariou as sugestões do colega, por virem agravar os custos da obra e a sua duração no tempo. De facto, a área do palácio não deveria ser aumentada; antes se construiriam dependências para serviços a Noroeste e Nordeste do edifício, sendo a zona envolvente rematada por duas praças – uma a Poente, outra a Nascente. A obra foi foi-se desenrolando até 1809, ano em que foi suspensa, certamente em consequência dos constrangimentos advindos das Invasões Francesas: deslocação da corte para o Brasil; Regência condicionada; reavaliação das prioridades financeiras. Só em 1813 foram retomados os trabalhos. Foi durante este interregno, mais propriamente em 1812, que José da Costa e Silva abandonou a direcção da obra, por ter sido chamado pelo Príncipe D. João para a corte do Rio de Janeiro. Seria substituído por Fabri. Até 1816, terá ficado concluída uma boa parte do Piso Térreo (na denominação actual, desde a Sala dos Archeiros, até ao Quarto da Rainha e muitos dos espaços “interiores”), estando também já em obra o Andar Nobre. No início de 1818, estava construído: • Na fachada Nascente: - o corpo para Sul, incluindo o torreão até à parte de cima da cobertura; - no corpo para Norte, até ao topo das janelas do Piso Térreo e as duas primeiras do Andar Nobre; o torreão, até aos capitéis das pilastras; - no corpo central, o primeiro vão do vestíbulo; o segundo vão, até aos saiméis (arranque da abóbada). Este corpo central já se elevava até aos capitéis das colunas maiores. • No interior: - junto à chamada Salinha do Vaso de Sèvres, a caixa das “escadas do Gabinete de Sua Majestade”; - na Sala dos Embaixadores (actual Sala dos Archeiros), até à altura da base das pilastras, excepto seis vãos de portas, que atingiam a cimalha; - as actuais salas de D. João IV, de D. João VI e do Trono já tinham as paredes erguidas; - dois corredores – um no Andar Nobre e outro no Mezanino superior. Entre 1818 e 1821, período em que era inspector da obra Joaquim da Costa e Silva e director técnico da mesma António Francisco Rosa: • Na fachada Sul: - ao nível do 3º plano (correspondente ao Andar Nobre do lado Nascente), chegou-se ao final da 8ª sala (actual Salinha Chinesa) e à 4ª janela do Mezanino superior (i.e., Mezanino do Andar Nobre); - do lado do pátio, acabou-se a fachada, até à parte superior do primeiro Mezanino (i.e., Mezanino do Piso Térreo). • Na fachada Nascente: - concluiu-se o ático do torreão Sudeste, aplicando-se-lhe a balaustrada e alguns troféus; - terminou-se o segundo vão do vestíbulo do corpo central, colocando-se 11 estátuas; - prosseguiu-se o levantamento do torreão Nordeste. • No interior: - continuou a construção das salas anexas ao torreão Nordeste, da Capela e respectiva galeria de acesso (Corredor da Capela / Archeiros); - concluiu-se a Sala dos Embaixadores (actual Sala dos Archeiros); - acabaram-se a actual Escadaria do Cortejo e a “escada do Gabinete de Sua Majestade” que levou corrimão de ferro. Em Agosto de 1821, foi formalmente adoptado o projecto reduzido do palácio, da autoria de António Francisco Rosa, elevado entretanto à categoria de sub-inspector da obra. Foram eliminados os corpos central e Poente do edifício. A partir de 1821 e até 1833, terminou-se a ala Sul (como hoje a conhecemos, excepto a parte correspondente às zonas do Toilette, e Atelier de Pintura), a ala Nascente (incluindo o torreão Nordeste) e parte da ala Norte (supostamente o Piso Térreo e a zona Nascente dos andares superiores). O Toilette e anexos (o existente e outros já demolidos), bem como o Atelier e anexos, também já demolidos (e talvez os Aposentos de D. Afonso, ou Porto Côvo) são obra do final do reinado de D. Luís (pelo menos os dois primeiros, que datam de 1887). Das transformações de interiores, além das conhecidas campanhas de Possidónio e de Procópio, entre 1862 e 1865, destacam-se a Sala de Jantar, (1879) e a Capela Térrea, (ca. 1897). O completamento da ala Norte e a elevação de um piso (incompleto) na ala Poente serão já obra da segunda metade do século XX. Após a tragédia do incêndio da Real Barraca (1794) e estando já em curso a construção do paço novo, a primeira personagem régia a entrar em cena foi o próprio Príncipe Regente. Conquanto não residente, dado o estado precoce da construção, D. João não deixou de visitá-lo, desde o início. Pode considerar-se como primeira recepção de Estado verificada nos salões já então erigidos, a que o monarca concedeu à oficialidade de uma esquadra russa que, em 1807, fundeara no Tejo. Para a História ficam também, e no mesmo ano, as três reuniões do Conselho de Estado realizadas, talvez na Sala do Dossel (actual Sala Grande de Espera), ou na Sala do Despacho, que tiveram como objectivo decidir sobre a pertinência da eventual partida para o Brasil do Príncipe D. Pedro ou de toda a Família Real, na sequência das pressões políticas dos franceses e das contrapartidas propostas pelos ingleses. Na manhã de 24 de Novembro de 1807, na última dessas reuniões, ficou assente o embarque da Família Real, com carácter de urgência, tendo sido ainda nomeada uma Junta de Governadores, para reger o reino na ausência do Príncipe. A partir desse tempo, o Paço reduziu-se a pouco mais do que um estaleiro de obras. Assistia-se sobretudo à labuta dos operários e dos artistas decoradores. A monotonia da zona era somente interrompida por uns poucos de casos, como foi o casamento, em 1819, do Duque de Cadaval com a Duquesa de Lafões, na Capela Real. Em 1821, quando finalmente D. João VI aceitou regressar ao Reino, depois de ter rumado às Necessidades, seguiu para o Paço da Ajuda. Escolhendo para sua residência o Palácio da Bemposta, o Rei só ia à Ajuda para as grandes festividades religiosas, principalmente as da Semana Santa, realizando-se os lava-pés numa das salas do Palácio. Uma das poucas excepções ocorreu em Agosto de 1823, para a investidura em D. João VI da Ordem da Jarreteira. À cerimónia, realizada na Sala do Trono, assistiram, entre muitas pessoas de alta condição, o Infante D. Miguel e as Infantas. Morto D. João VI em 1826, foi assumida a Regência por sua filha D. Isabel Maria que, com as irmãs D. Maria da Assunção e D. Ana de Jesus Maria e a tia-avó D. Maria Francisca Benedita, foi habitar o Paço Novo, alojando-se no Piso Térreo. Era lá que a Regente, às quintas-feiras, pelas três da tarde, reunia o Conselho de Ministros. O final do ano seguinte foi fértil em acontecimentos no Paço: a 12 de Outubro, dia do aniversário de D. Pedro, houve reunião do Conselho de Ministros, beija-mão e baile; a 30, D. Isabel Maria jurou a Carta, na Sala Grande (provavelmente a Sala dos Jantares Grandes, 3.17, entre outras hipóteses); a 3 de Dezembro, logo após a realização dos esponsais do Infante D. Miguel com D. Maria da Glória, outro beija-mão, seguido de uma serenata; a 23 desse mês, realizou-se aí a cerimónia de encerramento da sessão extraordinária das Cortes. Preparava-se, entretanto, a vinda de D. Miguel do exílio, para assumir a regência. Sua mãe, D. Carlota Joaquina, e a irmã D. Ana de Jesus Maria acorreram à Ajuda alguns dias antes, para a justa recepção. À chegada, a 22 de Fevereiro, foram abraçá-lo a bordo. D. Miguel subiu a Calçada da Ajuda e entrou no Paço em triunfo, concedendo, à tarde, um beija-mão, na Sala de Honra (provavelmente a Sala dos Jantares Grandes, entre outras hipóteses). A Capela da Patriarcal engalanou-se toda para a celebração da missa de acção de graças. A 26, D. Miguel assumiu a regência e jurou a Carta. As recepções e beija-mãos foram-se multiplicando. Houve um a 27; a 1 de Março recebeu no Paço os sócios da Academia Real das Ciências; a 13 reuniu o Conselho de Estado; a 23 de Junho reuniram os Três Estados, que lhe deram o Trono, seguindo-se um beija-mão; houve outro alguns dias depois, para comemorar o dia de S. Miguel, indo o já então Rei buscar a mãe para um banquete na Ajuda; no final de Novembro mais um beija-mão, desta vez para festejar o facto de se ter salvo, quando do desastre que teve no caminho entre Queluz e Caxias. Em Agosto de 1828, D. Miguel mudou-se para o Palácio das Necessidades, permanecendo na Ajuda D. Maria Francisca Benedita que, aliás, aí morreria, no ano imediato. Em 1833, hospedou-se neste Paço parte da família real espanhola: o Infante D. Carlos – expulso do seu país pelo irmão Fernando VII – com sua mulher e filhos, D. Maria Teresa e seu filho, o Infante D. Sebastião. A 30 de Agosto do ano seguinte, D. Pedro, para assumir as funções de Regente, em nome de sua filha D. Maria da Glória, prestou o juramento determinado pela Carta, na Sala do Trono do Paço da Ajuda. D. Maria II, ao subir ao trono, escolheu para residir no Palácio das Necessidades, ficando o da Ajuda para um ou outro alojamento de recurso, como foi o caso do de D. Isabel Maria, que aí passou algum tempo, quando a Imperatriz D. Amélia decidiu ir para a Bemposta, onde morava a ex-Regente; ficou igualmente reservado para algumas cerimónias oficiais. Destas, destacou-se, por certo, a do beija-mão de gala, por ocasião do casamento da Rainha com Augusto Carlos Eugénio Napoleão e Beauharnais, Duque de Leuchtenberg e Santa Cruz. O Paço da Ajuda passava, na verdade para um plano secundário. E só não perdeu a vida, porque lá iam morando um frade, duas açafatas e alguns criados velhos, daqueles que haviam acompanhado D. João VI ao Brasil. A 11 de Setembro de 1855, foi promulgado o decreto que regulamentava a coroação de D. Pedro. Tudo se cumpriu. Assim, a 17 desse mês, o Rei recebeu no Paço da Ajuda, à 1 da tarde, as felicitações do corpo diplomático e das deputações das câmaras legislativas e houve beija-mão – por sinal o único do seu reinado, pois D. Pedro V aboliu o gesto, por considerá-lo um resquício da monarquia absoluta. Em Maio de 1858, D. Pedro V casou com D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen. Em comemoração do régio enlace, houve festa de gala na Ajuda. Uma das últimas idas de D. Pedro V à Ajuda – já D. Estefânia morrera – terá sido em Maio de 1861, quando deflagrou um incêndio no Pátio das Cozinhas. Se a Ajuda não esteve, como é visível, nas preferências de D. Pedro V e de D. Estefânia, acabaria muito em breve por emergir dessa espécie de marasmo, e de modo pujante. Seria logo no ano seguinte ao da morte do Rei, em 1861, pela mão de seu irmão e novo monarca, D. Luís, que dela fez sua residência permanente. Após a sua morte, em 1889, aí continuaram a viver, até à proclamação da República, a Rainha D. Maria Pia e o Infante D. Afonso. Durante as primeiras décadas do Regime Republicano, o Palácio dependia da Fazenda Pública, mantendo-se como palco para cerimónias oficiais e recebendo os visitantes que ela autorizava. Em 1968, sob a direcção de Cayolla Zagalo, o Palácio (Piso Térreo da ala Sul) abre como museu. De 1970 a 1981, é Ayres de Carvalho quem o superintende, agora também com o Andar Nobre à disposição do público. Desde então até à actualidade, a direcção é exercida por Isabel Silveira Godinho. Todavia, para além do Museu, outros organismos foram sendo instalados no Palácio da Ajuda: os Serviços da Função Pública e da Reforma Administrativa; o IPPC/IPPAR/IGESPAR; a Secretaria de Estado da Cultura/Ministério da Cultura; o IPM/IMC.