Estudo para a luneta do Papa São Pedro
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Museu: Palácio Nacional de Mafra
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Nº de Inventário: PNM 1009
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Super Categoria:
Arte
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Categoria: Escultura
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Autor:
Alessandro Giusti (Escultor)
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Datação: Século 18
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Técnica: Escultura em relevo
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Dimensões (cm): Alt. 82 x Larg. 142 x Esp. 4
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Descrição: O centro da composição é ocupado pela figura de um Papa representado de frente, sentado, com a cabeça ligeiramente virada para a direita e a olhar para cima. Enverga uma túnica, rendada em baixo, cingida na cintura por um cordão duplo. Usa um mantel debruado com motivos vegetalistas, unido por uma fíbula à altura do peito. Tem o braço e a mão direita apontados para o lado esquerdo e segura um livro com a outra mão, assentando-o sobre o joelho esquerdo. À sua direita, emergem de nuvens três serafins, dois em cima e um mais abaixo. Este lado da composição é fechado pela figura de um anjo, de frente, sentado, que sustém nas mãos a tiara papal de três coroas, cujas ínfulas se confundem com o manto que o cobre. À esquerda do Papa figuram dois anjos, postos de frente, nus. O que lhe está mais próximo eleva na mão direita a cruz papal de três travessas e, com a esquerda, aponta para o escudo com as Armas de Portugal, que o outro anjo ampara com a mão esquerda. A luneta é encimada por um florão, de onde parte, para cada um dos lados, uma grinalda.
A identificação do Pontífice representado nesta luneta como sendo S. Pedro sai já da pena de Frei João de Santa Ana, em 1828. É corroborada depois por Júlio Ivo, em 1906 e, finalmente, em 2004, por José Fernandes Pereira, na sua obra "A Escultura de Mafra". Os dois últimos fazem valer os mesmos fundamentos do primeiro, para se ver na peça o primeiro Papa: "[Na Capela dos Santos Bispos], o painel, representa S. Pedro Apostolo e muitos anjos com as insignias do Pontificado" (Santa Ana, 1828, p. 300). Fernandes Pereira acrescenta ainda que a luneta sugere a intimidade entre Portugal e o Papado, certamente pela presença das Armas de Portugal na composição. Com certeza que o autor se quis referir a uma intimidade verificada ao longo da História, excluindo períodos de fricção entre o papado e a coroa portuguesa, como no caso da excomunhão de vários reis da 1ª dinastia, ou mesmo aos ocorridos nos reinados de D. João V e de D. José. E talvez quisesse relevar a atribuição do título de "Sua Majestade Fidelíssima" a D. João V, em 1748, por parte de Roma. Para a confirmação de tal hipótese, ter-se-ia de "recuar" à época (desconhecida) da exposição, no sítio, da tela que seria depois substituída pela escultura. Sabe-se que na data da Sagração da Basílica (22 de outubro de 1730) nem tudo estava pronto, incluindo, com muita probabilidade, as lunetas ou parte delas. Aliás, no capítulo "Um conjunto de catorze lunetas" (de Agnès Le Gac, Helena Pinheiro de Melo, Maria Gabriela Cordeiro e Frederico Henriques), integrado na obra "Uma pintura de Mafra por André Gonçalves" (2018), os autores põem uma hipótese, a considerar: "Todas as molduras das lunetas, sendo em mármore preto e parte integrante da arquitetura, não podiam deixar de patentear um vazio pictórico, caso as pinturas não estivessem nelas inseridas. Nesta eventualidade, e por sobrepujarem os arcos das capelas em lugar de menor alcance visual, encara-se a hipótese dos espaços reentrantes das molduras terem sido tapados com panos armados" (p. 20). Se assim foi, pode supor-se que houve lunetas pintadas colocadas bastante tardiamente. E pode ter sido o caso desta. Das lunetas retiradas da Basílica, a que mais se aproxima iconograficamente da escultura que a substituiu, corresponde à que foi inventariada sob a verba PNM 2678 (ver campo Multimédia), agora em reserva e em mau estado de conservação. A ficha de inventário do ficheiro geral reza assim: "Uma pintura a óleo sobre tela, sem moldura, em forma de luneta, representando: um papa rodeado de anjos, um dos quais segura a teara, e outro a crus papal." Mais abaixo, a lápis: "Inscrição: DAMASO - que sugere ser S. Dâmaso [305-384], papa de origem ibérica." Nesta pintura, ainda se consegue vislumbrar a figura papal, a olhar de frente, com grandes barbas, o braço direito levantado, um anjo à sua direita segurando a tiara e duas chaves e, à sua esquerda, outro anjo levantando a cruz papal; no extremo esquerdo da composição, jaz o escudo com as Armas de Portugal. Se a inscrição não for apócrifa, tudo indica que a identificação está feita, sendo reforçada pelas Armas de Portugal, já que São Dâmaso seria oriundo de Egitânia (atual Idanha-a-Velha) - um arremedo patriótico que faria entrar para o rol dos Sumos Pontífices outro Papa "português", a juntar a Pedro Hispano (João XXI) (1215-1277). Mas, sendo assim, torna-se menos compreensível que Frei João de Santa Ana fizesse corresponder a figura a São Pedro, sobretudo se teve acesso à pintura que poderá ter inspirado a escultura da Escola de Giusti, que era a peça que lá figurava quando Frei João descreveu a decoração religiosa que existia na Capela dos Santos Bispos. Se não viu a pintura, pode ter sustentado a sua afirmação na oralidade dos mais antigos ou, simplesmente, ao ver aí esculpido um Papa, lhe ocorresse imediatamente tratar-se do primeiro que a Igreja conheceu.
Quanto à obra de Giusti / Escola de Escultura, é certo que conheceram a pintura, pois existem elementos flagrantemente comuns com a escultura: o Papa, os anjos, as Armas de Portugal, atributos. Mas também há diferenças, quer na composição (localização do escudo e da tiara, e exclusão das chaves na escultura), quer na figura do Pontífice que, na escultura, parece retratar outra pessoa e, finalmente, a inscrição identificativa, apenas na pintura (DAMASO).
É de crer que Giusti, afastada a opção por São Dâmaso - tal a diferença dos retratos -, preferisse, na sua liberdade criativa, simbolizar as boas relações históricas entre a coroa portuguesa - identificada pelas Armas do Reino - e a Santa Sé, personificada por um Papa, talvez S. Pedro, mesmo que representado sem as chaves. Embora não ignorando de todo a pintura "primitiva", executou a sua peça com uma maior simplicidade estética, já que, desse modo, o processo escultórico ganharia eficácia para a compreensão da ideia pretendida.
Percebendo-se, no entanto, que as Armas de Portugal são fator determinante na composição, pode sempre pôr-se a hipótese de Giusti ter querido apresentar, nesta Capela dos Santos Bispos, o único Papa verdadeiramente português: Pedro Hispano ou João XXI, anteriormente cardeal-bispo de Tusculum-Frascati, autor de obras que percorreram o mundo, como a "Summulae Logicales", fazendo, desse modo, todo o sentido a presença do livro sobre o joelho do Papa.
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Origem/Historial: Estudo para luneta em mármore da Capela dos Santos Bispos da Basílica de Mafra, colocada na parede Poente. Executada na Escola de Escultura de Mafra.
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Incorporação: Peça proveniente do Real Convento de Mafra.
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Centro de Fabrico: Mafra (Escola de Escultura)
Bibliografia
- IVO, Júlio - O Monumento de Mafra. Guia Illustrado. Lisboa: A Editora, 1906
- PEREIRA, José Fernandes - A Escultura de Mafra. Lisboa: IPPAR, 2003
- SANTA ANNA, Frei João de - Real Edificio Mafrense visto por fora e por dentro: ou Descripçaõ exacta, e circunstanciada do Regio Palacio, e Convento de Mafra externa, e internamente considerados com aexplicação das Plantas, que deste magnifico eadmiravel Edificio levantou Amancio Joze Henriques, segundo Tenente da Marinha, e Ajudante Architecto da Caza do Risco das Obras Publicas, e Director das do dito Real Edificio. Mafra: manuscrito, 1828
- "Uma pintura de Mafra por André Gonçalves" / coord. ed. e cient. Agnès Le Gac, Helena Pinheiro de Melo. - Casal de Cambra : Caleisdoscópio, 2018. ISBN 978-989-658-565-5
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_XXI#content