Descrição: Salva de pé alto em prata dourada. O prato organiza-se em quatro cenas na faixa da aba, entrecortadas por quatro "tondi" ou medalhões, e outras quatro na faixa do centro, relevadas por repuxado e cinzelado de elevada qualidade técnica. A leitura pode fazer-se a partir da cena datada, uma fonte assente sobre uma base onde se lê 1548, ladeada por um unicórnio (simbolo do Feminino) e um cavalo (símbolo do Masculino), assinalando talvez um enlace matrimonial (Crespo 2016,12). De cada lado desta cena central vemos dois pares de "tondi": à esquerda um busto de homem (parte inferior) e outro de mulher (parte superior); à direita, Hermes, deus mensageiro e pastor dos Homens, na sua versão barbada com as asas mercuriais junto ao peito e outro de Afrodite, com asas mercuriais no toucado e um contentor de perfumes, atributo da deusa do Amor. Trata-se, portanto, de um par humano, simbolizando os noivos, e outro divino, apresentado como modelo a seguir (Crespo 2016, 12-13). A cena entre Hermes e Afrodite, no lado direito, apresenta-nos uma competição entre uma mulher e um homem, na caça a aves com um cão. Entre Afrodite e o Homem vemos uma cena de caça com arco e flecha, apenas com figuras masculinas. A última cena da aba, entre o Homem e a Mulher, revela-nos um sátiro (prole de Hermes) equilibrando com as suas patas e braços duas colunas em cujos topos assentam taças cheias de frutos (Abundância). Já a faixa central que decora o fundo alteado do prato apresenta-nos uma decoração continua com o mesmo número de cenas: na primeira, no topo, vemos a representação das Três Idades do Homem num ambiente pastoril; na segunda dois Amorini de costas voltadas com cães; na terceira uma nau e um leão; e na quarta uma caçada a cavalo com cães.
Originalmente possuía esta salva um pé baixo, provavelmente liso e sem decoração, tendo sido no ínicio do século XVIII montada sobre pé alto através de um sistema de roscas que ligam a base circular ao nó em urna e deste ao elemento central armoriado (armas episcopais) no topo, cuja rosca prende o prato quinhentista. Nesta adaptação, seguiu-se a estética coeva à peça que se procurava valorizar, tanto no torneado do balaústre como no cinzelado contínuo de fauna e flora do pé.
Origem/Historial: Provavelmente concebida para assinalar um enlace matrimonial em 1548, a esta salva foi acrescentado no ínicio do século XVIII um pé alto, transformando-a numa "tazze" à italiana, adaptação motivada por uma crescente valorização da ourivesaria de aparato quinhentista pela elite cultural daquela época.
Em 1866 integrava já a coleção de D. Fernando II, tendo sido então fotografada, com outras peças das suas coleções, por Charles Thompson para o South Kensington Museum de Londres. Naquele mesmo ano surge-nos referenciada num inventário manuscrito pelo monarca (com o n.º 16), informando-nos ter sido adquirida a Raimunfo José Pinto, ourives da Casa Real. Através deste documento hoje conservado no arquivo do PNP somos também informados ter sido algumas vezes emprestada por D. Fernando à Câmara Muncipal de Lisboa para as cerimónias de entrega das chaves da cidade, o que ocorreu com a subida ao trono de D. Pedro V e D. Luís I, assim como com a chegada das rainhas D. Estefânia e D. Maria Pia (Xavier, 2022: 41; 312).
Em 1882, foi cedida para figurar na Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola, tendo figurado na sala F com o n.º 125: "Salva de prata dourada, ornada de figuras, medalhões e outros ornatos em relevo. No centro um escudo com um castello cercado de estrellas. Tem a data de 1548. Sua Magestade El-Rei D. Fernando" (Catalogo Illustrado... 1882, 251).
O inventário orfanológico realizado após a morte do monarca, descreve-a no seu gabinete de trabalho do Palácio das Necessidades, onde concentrou o essencial da sua coleção de ourivesaria, com o n.º 2442: "Uma salva com pé, de prata dourada, laurada tendo ao centro as Armas d'um bispo diâmetro vinte nove centimetros altura vinte e um centimetros decadencia da renascença marcada com o número dois mil dusentos e setenta e quatro". Avaliada na quantia de quinhentos e quarenta mil reis. 540$000" (ANTT, Inventário Orfanológico de D. Fernando II [1886-1887], 2.º vol. fls. 858v-860).
Nas partilhas efetuadas entre os herdeiros, foi selecionada pela infanta D. Antónia (1845-1913), princesa de Hohenzollern-Sigmaringen, tendo saído do país em 1892. Ficou na posse dos seus descendentes até reaparecer em 2012, com outras peças de ourivesaria com a mesma proveniência, num leilão promovido em Londres (Treasures: Princely Taste: Sotheby's, 4 july 2012, lote 4). Foi então adquirida pelo antiquário português Pedro Aguiar Branco que, em 2016, a vendeu à Parques de Sintra-Monte da Lua, S.A. para integrar as coleções do Palácio Nacional da Pena.
Incorporação: Adquirida pela empresa Parques de Sintra-Monte da Lua S.A., a Pedro Aguiar Branco (V.O.C - Antiguidades Lda.), 2016.
Centro de Fabrico: Península Ibérica, Lisboa (?)
Bibliografia
CRESPO, Hugo Miguel - Choices. [s.n.] ARPAB, 2016
SILVA, Nuno Vassallo e - Ourivesaria portuguesa de aparato, séculos XV e XVI. Lisboa: Scribe, 2012.
XAVIER, Hugo - "Propriedade Minha": ourivesaria, marfins e esmaltes da coleção de D. Fernando II, Coleções Em Foco, n.º 4, PSML, 2022.
Exposições
Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola