Presépio dos Marqueses de Belas
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Museu: Museu Nacional de Arte Antiga
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Nº de Inventário: 642 Esc
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Super Categoria:
Arte
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Categoria: Escultura
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Autor:
Joaquim Joseph de Barros; (Escultor)
Joaquim António de Macedo; (Escultor)
António Pinto (Pintor)
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Datação: 1796/1812
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Técnica: Esculturas de vulto. Cozidas e policromadas.
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Dimensões (cm): Alt. 358 x Larg. 422 x Prof. 162
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Descrição: Presépio conservado dentro da sua maquineta original de madeira entalhada, policromada e dourada. É constituído por figuras e grupos modelados em barro cozido policromado, assentes sobre estruturas de cortiça e madeira. A maquineta é coroada por dois putti alados que seguram um escudo alegórico.
A composição do Presépio organiza-se em vários planos. Ao centro, em baixo, representa-se a Natividade entre grupos de adoradores e gentes com oferendas, num cenário de ruína. No plano intermédio representam-se cavaleiros e os Reis Magos, distribuídos em cortejo, enquanto lateralmente surgem cenas do quotidiano. No plano superior da composição, com figuras de menor escala, estão outros grupos de personagens por entre o casario e a arquitectura variada.
Grupos e conjuntos de figuras muito dinâmicas.
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Origem/Historial: PAIS, Alexandre Manuel Nobre da Silva, Presépios Portugueses Monumentais do Século XVIII em Terracota, Lisboa, Dissertação de Mestrado em História da Arte Apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1998:
"O presépio mandado fazer por José Joaquim de Castro, na posse de quem se encontrava em 1816, foi posterior e sucessivamente pertença do Dr. Francisco Pulido Garcia, do Conselheiro Augusto Fialho de Castro e de D. Francisco de Almeida.
Segundo a documentação, as imagens levaram diversos anos a serem executadas. O móvel orçou em 24$000 réis, de acordo com um documento de 1806. A obra foi, numa primeira fase, entregue a Joaquim José de Barros (1762-1820), dito Barros Laborão, com quem o encomendante se terá incompatibilizado. O Bispo de Elvas, em 1816, refere-a entre as esculturas, então na posse do sr. José Joaquim de Castro. (...)
A execução do presépio conhecido com o título dos Marqueses de Belas foi particularmente conturbada, dando azo a numerosas contendas. As divergências entre encomendante e mestre são esclarecidas numa carta, datada de 3 de Fevereiro de 1807, escrita por José Joaquim de Castro, onde se pode ler "Deve tãobem saber q eu só julguei necessaria a sua direcção emquanto o suppus com honra; mas no momento em q me dirigio a sua carta tão petulante, e calumniadora, logo immediatame despensei a sua direcção, e com tanta felicidade q promptame e councluio tudo conseguindo o bom arranjamto da obra com o dezarranjamto de mtas cousas q v mce tinha ordenado, e portanto não quero q fique com a vaide de julgar necessaria a sua direcção. (...) como vio q com as suas figuras hião emparelhar outras q havião indispensavelmte receber louvores (como realmte tem recebido); não pôde por isso sofrer, e por castigo da sua pouca amizde pa comigo, se castigou a si propria, dirigindo-me cartas tão insolentes, e imprudentes".
Torna-se, portanto, perceptível, conforme temos vindo a sublinhar, que, apesar de um presépio poder ser executado por um artista isto não impedia que peças de outros autores fossem aí colocadas. É provável que esta situação ocorresse unicamente com os encargos de particulares, numa maior dependência do gosto dos encomendadores.
Um dos aspectos curiosos da documentação disponível comprova uma suspeita que anteriormente assinalámos. Algumas peças são documentalmente associadas a um colaborador de André Gonçalves, Pedro Alexandrino, tendo-lhe sido paga no total a quantia de 33$600 réis. Apesar de Affonso Dornellas considerar que algumas figuras teriam sido executadas por este artista, pensamos de modo diverso. Num dos documentos reproduzidos lê-se o seguinte: "Recebi do Sr. Jozé Joaquim de Castro, duzentos e secenta mil reis, das figuras de hum Percepio que Revendi, tudo em dinheiro de metal, e como recebi a dita [p. 222] quantia pcei (sic) o presente recibo hoje 7 de julho de 1805. Pedro Alexandrino de Carvº". A utilização do termo revendi poderá, na nossa opinião, ter outro significado. Isso parece comprovado por outro documento onde foi escrito "Receby do Sr. Joze Joaqm de Castro secenta e sette mil e duzentos reis importancia de humas Figuras de Prezepio que vendi ao dto Sr. Campo Grande 14 de Dezbro de 1806. São 67$200. Luiz Joze le Coq. N.B. cujo Dº o receby em metal". Estamos em crer que, apesar da encomenda de um presépio ser feita a um determinado mestre, a ele poderiam ser acrescentados elementos não só da sua oficina, mas igualmente figuras adquiridas avulso a negociantes, memórias de núcleos anteriores, entretanto desmontados. Esta prática explicaria as divergências existentes com este conjunto. José Joaquim de Barros provavelmente não gostaria de interferências no plano de montagem dos seus presépios, talvez por entender dever pertencer-lhe o controlo total da sua execução. O acrescento de outras figuras deveria ser entendido como uma interferência no seu trabalho. Parece-nos esclarecido o desconforto entre o artista e o encomendante, que transparece de modo evidente na correspondência trocada. Mas outro aspecto mais subtil parece ficar igualmente esclarecido: o facto de neste conjunto surgirem tantas figuras duplicadas. Por exemplo, foram registadas, no mínimo, a presença de três cegos a tocar sanfona.
[...]
Mas a questão das referências a este artista [Pedro Alexandrino], sem definição concreta do trabalho executado, poderá ter outra leitura. Um desenho, pertença do Museu Nacional de Arte Antiga, encontra-se assinado Pº Alexandrino. O motivo representa, de forma muito regorosa, o núcleo da [p. 223] Sagrada Família deste Presépio, não obstante tratar-se de um esboço à pena. A diferença mais significativa entre esta representação não datada e o original escultórico é a postura da Virgem. Na peça de terracota, Maria segura o Menino nos braços. No desenho adora-O na manjedoura. No desenho, por outro lado, o esboço do anjo com os braços erguidos parece evocar a tocadora de pandeireta, no grupo dos adoradores.
Parece-nos possível atribuir, deste modo, com alguma segurança, a este pintor a definição de modelos para imagens de presépio e, talvez, a sua execução, para além da revenda de elementos não especificados." (...)
Na missiva de 1807, onde se esclarece quais as peças da autoria de José Joaquim de Barros, surgem ainda referências aos pagamentos "Pelos tres Torroens das Cidadellas com pintura 28$800 / Pelo Torrão do Recorde com cinco figuras com pintura 35$200 / Pelo Anjo Custodio com pintura 24$000 / Dº ao forno 3$200".
Um documento de 14 de Junho de 1806, já referia outros elementos da autoria de Joaquim José de Barros "Pelo Torrão dos Camellos, com pintura 18$400 / Dº Torrão dos Trombeteiros, com pintura e concerto 47$400 / Dº Torrão do Elifante com pintura, e concerto 20$400 / Dº Criados que acompanhão de pé, com pintura e concerto 19$200 / Dº Torrão da Azenha, com pintura 14$400 / D~Torrão do Mouro, com pintura 28$800 / Dº Torrão do Porco, com pintura 38$400 / Dº os Rapazes das Flores, sem pintura 12$800 / Dº o Rapaz da Coluna, sem pintura 6$400". O custo total das peças é de 297$400.
A maioria destas imagens possuem afinidades com algumas anteriormente assinaladas, da Basílica da Estrela e no Museu Nacional de Arte Antiga. Isto é particularmente notório nos cortejos colocados neste último espaço. As afinidades com o chamado grupo dos trombeteiros são evidentes. Por outro lado, o anjo da Anunciação aos Pastores e o Anjo Custódio apresentam semelhanças com três personagens junto à figura de Deus. Afinidades estas que permitem atribuir a José Joaquim de Barros o presépio conhecido pela designação de São Vicente de Fora e um conjunto de figuras avulsas, no acervo do Museu Nacional de Arte Antiga.
De entre todas as peças documentalmente provadas como obra de José Joaquim de Barros, uma merece especial atenção. Trata-se do Grupo do Mouro. A sua particularidade prende-se com a tradição que [p. 224] aponta estas personagens como um retrato familiar dos Marqueses de Belas, do qual deriva a designação do Presépio. O titular era, à época, D. José Luiz de Vasconcellos e Sousa (1740-1812), 1º Marquês de Belas, e estaria acompanhado de D. Maria Rita de Castello Branco Correa e Cunha (1769-1832). A acreditar nesta figuração, estariam representados, respectivamente, com as idades de 67 e 38 anos. As crianças seriam, de acordo com Afonso Dornellas, dois dos seus filhos D. João (1793-?) e D. Guiomar (1804-?). A tradição identifica ainda o homem que conduz o casal com o encomendante José Joaquim de Castro que se associaria, deste modo, ao que era considerado o casal mais belo da época.
Não podemos afirmar com segurança se esta tradição tenha qualquer fundamento. Pelo contrário, parace-nos tratar-se de um equívoco. De facto, no presépio de São Vicente de Fora existe uma figura feminina muito semelhante à da suposta Marquesa. Também aqui aparenta tratar-se de um retrato pela qualidade escultórica que evidencia, sendo, na nossa opinião, a peça mais expressiva deste núcelo. No entanto, não podemos afirmar, com certeza, a sua identidade. Tratar-se-á do aproveitamento de uma imagem considerada bem sucedida? Desconhecemos. De qualquer modo, a datação do presépio de São Vicente é incerta. Sendo, em princípio, posterior ao dos Marqueses de Belas, a figura já não seria um retrato de D. Maria Rita de Castello Branco.
O que é notório é que a figura femina do Grupo do Mouro, no presépio encomendado por José Joaquim de Castro, apresenta uma dimensão notoriamente superior ao restante conjunto. Isto poderá pressupor o aproveitamento de uma peça executada anteriormente. Se existia um propósito de representar a família dos Marqueses, nada foi possível apurar, não tendo sido encontradas provas que comprovem ou refutem essa teoria. De qualquer modo as idades dos Marqueses, à época da construção do Presépio, parecem-nos demasiado avançadas para as representações das figuras." (...)
Uma novidade relativamente às autorias de diversas peças deste presépio é que, aquando de uma intervenção de limpeza, surgiram três unidades assinadas, sendo uma datada de 1796. Das figuras, assinadas J.A.Macedo (1750-1820), destaca-se um pescador, colocado no socalco sob a gruta da Natividade, uma das mais expressivas do núcleo com a particularidade de se encontrar datada. As restantes são grupos de anjos, em plano muito secundário, no interior do espaço onde se encontra a Sagrada Família. Joaquim António de Macedo foi discípulo de Giusti, em Mafre, onde entrou em 1765.
Apesar da referência a peças entregues com policromia, sabemos que muitas das figuras foram pintadas por A.Pinto (c. 1758-c.1820). De acordo com Diogo de Macedo, este artista especializou-se na escultura em madeira. Na carta de José Joaquim de Castro, citada anteriormente, pode ser lido que "as figuras q não quero estão ou pintadas de todo ou principiadas a pintar, e esta despeza eu já a tenho inteirado a Antº Pinto." De acordo com um documento de 1806, ele terá recebido a quantia de 63$700, para um total de 59 dias de trabalho.
A acção de Joaquim José de Barros não se limitou à execução do núcleo, pois ele concebeu também a própria maquineta para o encerrar. Isto é perceptível no já referido documento de 14 de Junho de 1806, onde se diz que recebeu "pela direcção da Caixa do Prezepio 12$800" [p. 226]. Esta informação clarifica o trabalho do presepista, o qual ultrapassava a mera execução de peças avulsas. Devia estruturar o conjunto e, como no caso presente, definir o móvel onde as mesmas seriam colocadas."
[p. 227] O presépio dos Marqueses de Belas foi concluído no ano anterior à entrada de Junot (1771-1813) em Lisboa."
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Incorporação: Sebastião Daun e Lorena e sua mulher
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Bibliografia
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- SANTOS, Reynaldo dos - História da Arte em Portugal, vol. III. Porto: Portucalense Editora, 1953
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- MACEDO, Diogo de - Em Redor dos Presépios Portugueses. Lisboa: 1940
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