Descrição: Cabeça-troféu constituída por uma cabeça humana reduzida, de longos cabelos pretos lisos.
A cabeça apresenta os olhos cerrados e os lábios cosidos com fio de algodão, cujas pontas formam uma trança, que pende para além da boca. A trança exibe na ponta cera preta.
As orelhas são ornamentadas com um par de brincos de penas de tons amarelos e vermelhos, que sobressaem para além do cabelo.
A pele do rosto e do pescoço apresenta em tom castanho-escuro e penugem.
Cabeça altura (cm): 11,5
Origem/Historial: "O costume de reduzir cabeças humanas deve ter sido muito espalhado entre os Incas. Embora não se tenham encontrado cabeças reduzidas nas escavações arqueológicas, são relativamente frequentes as referências literárias a elas, e a sua representação em desenhos têxteis e de cerâmica pré-colombiana. E até ao século XVIII, ainda alguns grupos vizinhos dos Jívaros, os Marina, os Chebére e os Cocama, o praticavam. Actualmente, esse costume, com o seu corolário da caça às cabeças, encontra-se apenas entre os Jívaros, que habitam a região do Peru confinante com o Brasil a leste e com o Equador a oeste.
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O processo de redução das cabeças usados pelos Jívaros é complicado. Logo que a vítima é morta, o vencedor decepa-a pela base do pescoço, e leva a cabeça embrulhada em folhas para perto da sua maloca. Ali, sem deixar ninguém aproximar-se, faz uma fogueira e põe a ferver, numa panela com água, vinte tipos diferentes de plantas e raízes, que se compram a uma certa etnia da selva (apenas seis desses ingredientes são necessários, mas as gentes desse grupo fornecem vinte, para não revelarem o segredo duma fórmula que só elas conhecem). Entretanto, com uma pedra lisa, esmigalha os ossos do crânio, que saem em esquírolas pelo pescoço; e então mergulha a cabeça nessa infusão, que está a ferver, e deixa-a lá cerca de dez minutos. Esta imersão tem como efeito operar a redução imediata da cabeça; e, além disso, a infusão impede que os cabelos se percam. Por vezes, repete-se a imersão, para reduzir mais a cabeça.
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Para a secagem, enche-se a cabeça esvaziada com areia e pedras aquecidas ao fogo. Em seguida, com as mãos, a face é modelada e cosem-se-lhe as pálpebras e os lábios com fios ou pequenos paus, que ficam espetados. Para terminar, a cabeça é exposta ao fumo de uma fogueira de lenha verde, e em seguida polida, ornamentada com penas coloridas, e finalmente guardada num recipiente de barro. Este recipiente às vezes é enterrado, outras vezes é colocado em cima da rede do vencedor. Por vezes, quando este morre, é enterrado com as "tzan-tza" de que era possuidor.
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Em princípio, a caça às cabeças, para efeitos da sua redução visa os inimigos do grupo caçador. De facto é essa a maneira mais natural de as obter, chegando-se a organizar expedições guerreiras com a finalidade de arranjar cabeças. Nesse caso, estas, além do mais, constituem um troféu altamente considerado.
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Contudo, dada a importância fundamental que se atribui às "tzan-tza" - detentoras de uma força mágica que traz felicidade e amansa os espíritos temidos dos próprios antepassados, os Arutama (antepassados de linhagem), de cuja boa vontade depende a fertilidade dos campos, e que são quem aliás exige a caça às cabeças e novas vítimas - quando nessa expedição não se consegue capturar um guerreiro mas sim outra pessoa qualquer, não se deixa de aproveitar a oportunidade. (...)
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O costume da caça às cabeças humanas, seja com a ideia de se apropriar da "alma" do inimigo morto (...), seja para fazer delas troféus que afirmam o valor guerreiro do "caçador", encontrava-se também com grande vitalidade, em inúmeras regiões da Indonésia, Nova Guiné, Melanésia, Polinésia, Micronésia, África, etc.." (in: Índios da Amazónia, 1986, pp.135-139)
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Contexto de constituição da Colecção Victor Bandeira:
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Em 1964/65 Victor Bandeira e Françoise Carel Bandeira, incentivados por Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira, e com o apoio do Centro de Estudos de Antropologia Cultural de Junta de Investigações do Ultramar e das autoridades brasileiras, empreenderam uma expedição à selva amazónica, com o objectivo de conhecer, por experiência e participação efectiva, as formas de comportamento, a cultura material e imaterial, os rituais, os ritos e as artes, dos grupos indígenas que habitavam nessa região.
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Durante a sua estada no terreno, o casal Bandeira, percorreu várias regiões do Brasil, Equador, Peru e Colômbia, e contactou com diferentes grupos de índios.
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Dessa investigação resultou uma extensa colecção de artefactos que documenta e exprime de um modo perfeito e completo todos os aspectos da vida e das concepções, dos ritos e da criação plástica dos vários grupos com quem estabeleceram relações, inúmeros registo visuais e sonoros, e um vasto conhecimento teórico sobre a vida, a cultura e arte dos ameríndios do Brasil.
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Esta colecção foi apresentada ao público em Outubro de 1966 nos Salões da Sociedade de Belas Artes de Lisboa, sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Embaixada do Brasil.
Em 1969 a colecção é adquirida pelo então Ministério do Ultramar, com a participação financeira da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação da Casa de Bragança e de alguns particulares devotados, a fim de ser entregue e incorporada no acervo do Museu Nacional de Etnologia.
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A colecção, constituída por cerca de 745 peças, abrange todas as classes de artefactos.
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Esta cabeça-troféu foi adquirida por Victor Bandeira num antiquário, em Paris, com o intuito de completar o sector Jívaro que integra a sua colecção recolhida em 1964/1965, tendo procedido à sua doação ao Museu, para aquele mesmo fim, em 1970.
Incorporação: Anterior proprietário: Victor Bandeira.
Bibliografia
BRITO, Joaquim Pais de, et al (coords), Os Índios, Nós. Lisboa: CNCDP/IPM/MNE, 2000
OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, et al, Índios da Amazónia. Lisboa: Museu de Etnologia/ Instituto de Investigação Cientifica e Tropical, 1986