Aguadeiro
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Museu: Museu Nacional de Etnologia
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Nº de Inventário: AQ.590
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Super Categoria:
Etnologia
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Categoria: Artes plásticas
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Autor:
Autor desconhecido (-)
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Datação: Século 20
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Técnica: A especificação da técnica encontra-se no campo do Historial.
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Dimensões (cm): Alt. 15 x Larg. 8,4
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Descrição: Homem em barro policromado, representando uma figura antropomórfica masculina com um burro albardado carregando numa cangalha quatro "quartas".
As figuras assentam numa base plana rectangular com dois cantos cortados, de cor verde com pintas de cor laranja, amarela e branca e bordo igualmente laranja.
O Homem apresenta, dois sapatos, dois membros inferiores e o tronco cilindriformes. Os membros superiores apresentam-se arqueados para a frente com a mão direita apresentando um orifício e a mão esquerda apoiada no burro. As mãos do homem apresentam linhas incisas representando os dedos. O pescoço é de formato cilíndrico. A cabeça apresenta dois pontos negros que figuram os olhos, encimados por dois traços e duas sobrancelhas de cor castanha. O nariz encontram-se em relevo e a boca apresenta lábios delineados e enchidos com cor vermelha. De cada lado da face é visível uma rosácea alaranjada. Na cabeça figura ainda, cabelo de tonalidade castanha, encimado por um chapéu negro com aba circular larga revirada e com copa de formato tronco-cónico.
A figura apresenta sapatos castanhos, calças de tonalidade verde e samarra de cor laranja com contornos negros e com dois bolsos da mesma cor dispostos na parte frontal do tronco. É visível também, uma gola de cor amarela com linhas incisas e dois destaques em relevo da mesma cor, figurando botões. Na parte frontal do tronco exibe ainda seis botões amarelos em relevo dispostos paralelamente e longitudinalmente em grupos de três e junto a cada uma das mãos apresentam-se ainda dois pontos castanhos, figurando botões de punho.
Frontalmente ao homem, encontra-se um burro constituído por patas de cor negra dois membros dianteiros e traseiros cilindriformes, corpo igualmente cilindriforme e uma cauda comprida com linhas incisas. Na parte traseira do animal é visível um ponto inciso. O pescoço é de formato cilíndrico, de contorno superior arredondado e exibe ainda de cada lado uma série de linhas pintadas a negro que representam a crina. A cabeça do animal apresenta um focinho alongado de forma cilíndrica, no qual são visíveis dois olhos negros, uma linha recta incisa de cor vermelha que representa a boca e dois pontos incisos da mesma cor dispostos paralelamente figurando as narinas. Na cabeça figuram ainda, duas orelhas cónicas e linhas de cor castanha que representam a cabeçada e rédeas.
O animal é pintado de cinzento claro com pintas negras dispostas na parte frontal dos membros e na cauda.
No dorso do burro encontra-se uma albarda de tonalidade amarela com pintas de cor laranja e verde.
Sobre a albarda está disposta uma cangalha de tonalidade castanha, que transporta duas "quartas" em cada lado do animal.
As quartas apresentam no seu topo um segmento em arame disposto em arco, figurando a pega. As "quartas" exibem a tonalidade prateada.
Na base é visível uma inscrição aplicada por pressão (carimbo): "Olaria Alfacinha Estremoz Portugal".
Dimensões da Base:
Comp: 13 Cm;
Larg: 5,4 Cm.
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Origem/Historial: Na ficha de inventário dactilografada e no Livro de Tombo a peça tem a designação "Boneco de Barro". No entanto, optei por utilizar a denominação "Aguadeiro", na medida em que identifica à priori a temática da peça.
A designação "Aguadeiro" consta na ficha de inventário dactilografada como Nome Local.
Referência à Oficina Olaria Alfacinha:
Caetano Augusto da Conceição, natural de Lisboa e educado na Casa Pia de Évora onde concluiu o seu curso de carpinteiro-marceneiro, fixou-se em Estremoz em 1868, onde adquiriu a alcunha de Alfacinha.
José Perninha, mestre oleiro e seu vizinho, cedo lhe incutiu o gosto e interesse pelo barro e sua arte, realizando em conjunto alguns trabalhos artísticos.
A sua inclinação pela arte do barro depressa se fez notar, acabando por orientar a sua vida profissional para a área da cerâmica.
Montou assim, uma oficina - Oficina Alfacinha - no histórico bairro do Castelo, na Rua do Arco, onde passou a residir.
Juntou-se a Joaquim Firme e a outros oleiros experientes, e com os seus filhos constituiu o seu legado em trabalhos de barro, criando e experimentando novos modelos e técnicas.
Em 1884 e em 1888, Caetano da Conceição viu o seu trabalho distinguido com prémios e medalhas em exposições nacionais.
No entanto, a morte do seu filho mais velho foi um duro golpe para o fundador da Olaria Alfacinha, tanto a nível afectivo como profissional, pois passados poucos anos, a 29 de Junho de 1902, veio a falecer.
O seu filho Narciso Augusto da Conceição sucedeu-lhe na orientação da oficina, que começou a atravessar um período de altos e baixos devido ao aproveitamento de outras matérias-primas por parte do mercado.
Do casamento de Narciso nasceu uma numerosa prole, sobrevivendo apenas cinco: Mariano, Jerónimo, Deocleciano e Sabina.
A oficina é entretanto transferida para a Rua do Assento, na mesma zona histórica, ocupando a conhecida Casa das Fardas e aproveitando as casas fronteiras onde passaram a funcionar os dois fornos. Aqui, trabalhavam quatro dezenas de artesãos que não tinham mãos a medir para as encomendas de louça vidrada, que estavam então na moda.
Depois do falecimento de Narciso, a continuidade da direcção da oficina é uma vez mais entregue ao filho mais velho, Mariano da Conceição, que tomou o leme da firma e ficou com a responsabilidade principal, sendo ajudado pelos seus irmãos.
No fim dos Anos Vinte é criada a Escola de Artes e Ofícios de Estremoz, pela razão da crescente preocupação de revitalizar as artes tradicionais locais ligadas ao mármore e ao barro.
A Escola é dirigida inicialmente por Luís Fernandes e depois José Maria de Sá Lemos que orientam, dinamizam e implementam cursos, colocando esta escola num lugar de respeito e afirmação.
É Sá Lemos, escultor de Vila Nova de Gaia, que convida Mariano da Conceição a ingressar no quadro de Mestres e Professores da recém criada escola, orientando assim, o Curso de Olaria.
O entendimento entre o director Sá Lemos e o mestre de olaria Mariano, levou-os a outro sector da cerâmica local, também em acentuada crise - a barrística. Mariano interessou-se logo pela arte bonequeira local, que constituía um dos objectivos da recém criada escola.
Juntamente com Ana da Silva, mais conhecida como Ti Ana das Peles, uma velha bonequeira que foi incentivada por Sá Lemos a partilhar a sua sabedoria sobre esta arte, constituiu-se um dinâmico diálogo com o objectivo de absorver todas as suas técnicas e conhecimentos. Mariano correspondeu da melhor forma à criação barrística, iniciando-se assim, na arte bonequeira.
Na firma que Mariano dirige com os irmãos, constituiu-se uma sociedade com toda a irmandade sobrevivente, da qual Mariano vende mais tarde a sua parte, seguindo o seu irmão Jerónimo.
A mãe, Leonor das Neves desaparece em 27 de Julho de 1946, sendo posteriormente, em 11 de Abril de 1958, criada a firma com o seu nome Leonor das Neves da Conceição (Herdeiros), fazendo apenas parte, Deocleciano, Caetano e Sabina.
Caetano da Conceição dirige a oficina até Setembro de 1958, afastando-se da sua orientação por motivos de saúde.
Por força das circunstâncias, o seu cunhado Luís de Matos Santos, marido de Sabina, assume a direcção da firma.
Após o falecimento do neto do fundador da centenária oficina, Caetano da Conceição, a 16 de Dezembro de 1985, discutiu-se a venda da oficina ou a sua conversão em Cooperativa, que envolveu órgãos do poder local e organismos vocacionados para a defesa do Artesanato e Artes Tradicionais como o Instituto do Emprego e Formação Profissional.
No entanto, por dificuldades de conciliação de interesses, o desejado nunca foi concretizado - manter a oficina em actividade.
No início da década de 90, a Oficina Alfacinha acabou por ser vendida, mas com gerência de curta duração, terminando em falência.
Contudo, o espólio da secular oficina foi adquirido, no fim da década de 90, pela Escola Profissional da Região Alentejo, surgindo assim, alguma esperança para o seu reaparecimento e continuidade.
Técnica:
Os métodos utilizados na barrística são, os de rolo, da bola e da lastra, esta última, na elaboração de vestuário e bases. As partes constituintes dos bonecos, que apresentam maior espessura e volume são previamente picadas por meio de uma agulha ou arame e depois corrigidos com os dedos. Este procedimento permite uma maior secagem no interior do boneco evitando assim, quebradura e fendilhagem no acto da cozedura.
Um dos aspectos que mais caracteriza os bonecos de Estremoz, e diferencia este figurado do restante, é o facto destes nascerem nus e serem posteriormente vestidos.
Um boneco de Estremoz é constituído por diversas partes que são unidas entre si. Assim, a primeira peça a ser realizada é a base, que é feita através de um pedaço de barro espalmado por intermédio de uma palmatória. A próxima tarefa consiste em fazer as pernas ou saias e seguidamente o tronco. Com uma bola de barro, e um molde, segue-se a face e depois o pescoço. Os rostos são, na maior parte dos casos, feitos por meio dum molde e colados à bola de barro que constitui a cabeça. Com a ajuda dum teque ou teco (palheta na gíria dos artesãos) modela-se o cabelo. Coloca-se o boneco na base, previamente feita e com furos no local onde este vai assentar, colando-o com barbutina ou lamugem na gíria bonequeira.
De seguida, passa-se para a elaboração dos braços que é realizada através de um rolinho. Corta-se a extremidade que liga ao ombro e faz-se em seguida as mãos. Estas são feitas espalmando-se a extremidade do braço menos grossa, e depois, por intermédio de uma série de incisões com a ajuda dos já mencionados teques criam-se os dedos. Unem-se os braços ao tronco com lamugem.
É altura então, de vestir os bonecos e colocar todos os adornos referentes ao modelo representado, como chailes, lenços, brincos, chapéus e um número infindável de enfeites saídos da imaginação do artista, empregando-lhes assim, "movimento, vida, alma" (Vermelho, Joaquim, Barros de Estremoz: Contributo Monográfico para o Estudo da Olaria e da Barrística, página 76, Limiar, 1990).
Deixa-se o boneco secar e vai ao forno ou à mufla a 800 cº ou 850 cº, no entanto, é importante referir que durante a modelação do boneco convém deixar secar a peça durante as fases da união das várias partes constituintes do boneco.
Os bonecos são peças muito frágeis e portanto, são necessários muitos cuidados no processo de enfornamento.
Finalmente, o boneco passa pelo processo de pintura onde prevalecem o verde, o azul, o vermelho, o zarcão, o amarelo, o branco, o roxo, o laranja e o preto.
As tintas utilizadas são os óxidos que são dissolvidos em água e misturados com grude previamente derretido. Contudo, foram introduzidos recentemente, por questões comerciais e técnicas, têmperas, ou seja tintas a água ou plásticas que são misturadas com colas resinosas para madeira. Estas colas proporcionam ao boneco, resistência à luz e à humidade, sem no entanto, prejudicar a cor. Sobre a pintura seca é colocado um verniz que, nos séculos passados, era fabricado pelos próprios barristas através de processos que se perderam. Foram posteriormente substituídos por vernizes industriais.
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Incorporação: Anterior Proprietário: Desconhecido
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Bibliografia
- AZINHAL, Abelho - Memória sobre os barros de Estremoz. Lisboa: Panorama, 1964
- BORRALHO, Álvaro António Gancho - As Artes do Barro. Contribuição para o estudo dos Bonecos de Estremoz, Dissertação de Tese de Licenciatura em Sociologia vertente de Sociologia da Cultura. ISCTE, Lisboa: 1993
- CHAVES, Luís - Os Barristas Portugueses: nas escolas e no povo.. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925
- CONDE, António Fialho - "A Olaria Alfacinha e o Contributo dos Mestres", "Mestres Oleiros no Alentejo" in Mestres Artesãos do Século: artefactos do mundo por mãos portuguesas. Lisboa: Instituto do Emprego e Formação: FIL, 2002
- CORREIA, Virgílio - "Brinquedos na Louça de Estremoz" in Revista Terra Portuguesa - Revista Ilustrada de Arqueologia e Etnografia, Volume 1. Lisboa: 1916
- FERRO, António - "Bonecos de Barro" in Vida e Arte do Povo Português. Lisboa: 1940
- PARVAUX, Solange - La Céramique du Hault-Alentejo. Paris, Lisboa: Puf, Gulbenkian, 1968
- PESSANHA, D. Sebastião - "Bonecos de Extremoz" in Revista Terra Portuguesa - Revista Ilustrada de Arqueologia Artística e Etnografia, Volume 1. Lisboa: 1916
- VERMELHO, Joaquim - "Mobilidade e Influências nos bonecos de Estremoz" in Conversas à volta da Olaria. Oficinas do Convento: Associação Cultural de Arte e Comunicação, Dezembro 1998
- VERMELHO, Joaquim - "O Culto do Figurado de Estremoz" in Cultus: o mistério e o maravilhoso nos artefactos portugueses. Lisboa, IEFP: FIL, 2001
- VERMELHO, Joaquim - "Olaria e Barrística de Estremoz" in Artesanato da Região do Alentejo. Évora: IEFP, 2000
- VERMELHO, Joaquim - Barros de Estremoz: Contributo Monográfico para o Estudo da Olaria e da Barrística: Limiar, 1990