Os povos de língua Kicongo, os Bakongo ou Kongo, cuja área cultural se situa em ambos os lados das margens inferiores do rio Congo; e cuja influência geográfica abrangeu as atuais República Democrática do Congo, República do Congo, Gabão e Norte de Angola; produziram um dos mais distintos acervos de arte africana.
A cultura dos Kongo não era, e continua a não ser, nem internamente homogénea, nem muito diferente dos povos seus vizinhos. A unidade cultural implícita no termo Bakongo é produto de governos coloniais e da disciplina etnográfica, os quais, em conjunto, impuseram classificações aos povos subjugados e estudados. Do mesmo modo, as variações culturais internas entre as populações modernas de língua Kicongo são parcialmente derivadas das diferentes políticas coloniais praticadas por autoridades francesas, belgas e portuguesas. A geografia tem também alguma importância. As regiões do Norte são, em geral, mais densamente arborizadas do que as do Sul, e as áreas costeiras estavam mais directamente implicadas no comércio atlântico que o interior.
A maioria dos objectos agora considerados como arte dos Kongo foi na verdade concebida para ser usada em contextos rituais e cerimoniais tradicionais. Em parte por causa da importância histórica do Reino do Congo e, em parte, por causa do apelo romântico da sua realeza, as atenções pela cultura material destes povos tenderam a concentrar-se sobre os seus chefes e as suas insígnias. Estas cedo começaram a incorporar artigos de fabricação europeia, ofertas de embaixadores. Os visitantes admiravam esteiras e panos de fibras de palmeira finamente tecidas e objectos esculpidos de madeira e marfim, alguns dos quais levaram para os respectivos países onde, desde o século XVII, têm sido guardados em colecções europeias. A maior parte dessas recolhas ocorreram entre 1850 e 1920, período de intensificação do interesse europeu por África e altura em que os museus etnográficos foram estabelecidos em muitas cidades da Europa a fim de exibir os troféus das descobertas e conquistas.
A colecção do Museu Nacional de Etnologia, mais tardia, foi adquirida na sua maioria a partir do final da década de 1960, em Angola, e dela fazem parte objectos diversos dos quais aqui destacamos testemunhos da afirmação do cristianismo nesta região, como crucifixos; figuras ligadas ao universo das crenças de comunicação com os mortos e à mediação com os espíritos considerados nocivos ou benéficos para a comunidade, como os “Minkisi”; insígnias de poder dos chefes; figuras funerárias; e ainda objectos com dupla função, utilitários e ao mesmo tempo que reenviam para um plano de comunicação codificado pela tradição, como as tampas de panela com provérbios.
Texto:
Ana Botas*
Inventário:
Ana Botas
Odete Viola
Fotografias:
Dick Beaulieux
*a partir de MacGaffey, Wyatt - "Os Kongo". In Na Presença dos Espiritos: arte africana do Museu Nacional de Etnologia. Nova Iorque: Museum for African Art/ Snoeck-Ducaju Zoon, Gant, 2000, p. 35-59.